Vamos falar sobre um dos temas mais intensos e, ao mesmo tempo, paradoxais: o amor. Para isso, escolhi um trecho de um dos poemas mais conhecidos da língua portuguesa, o soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”, de Luís de Camões. Esse soneto, além de muito belo, é um excelente exemplo de como as relações amorosas podem ser complexas, cheias de contrastes e paradoxos, e é exatamente isso que vamos explorar juntos.
Antes de entrar no poema, vamos relembrar quem foi Camões. Ele é considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatura ocidental. Sua obra mais conhecida é Os Lusíadas, um longo poema épico onde ele narra as aventuras das grandes navegações portuguesas. Mas além dessa obra grandiosa, ele também escreveu sonetos, que são poemas com uma estrutura bem definida: 14 versos, organizados em dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes de três versos).
O soneto de Camões que vamos abordar aqui trata do amor de forma paradoxal, cheia de opostos. Vamos ler um trecho:
“Amor é fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói e não se sente,
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.”
A primeira coisa que quero que vocês percebam é a quantidade de contrastes presentes nesses versos. Ele começa falando do amor como “fogo que arde sem se ver”. Pensem nisso: normalmente, o fogo é algo visível, certo? Ele tem luz, calor, é algo que se percebe. Mas aqui, Camões nos apresenta um fogo invisível, que arde sem que possamos vê-lo. É um paradoxo, porque, apesar de não ser visível, esse fogo do amor ainda queima.
Outro exemplo interessante é a linha “é ferida que dói e não se sente”. Como pode algo doer e, ao mesmo tempo, não ser sentido? Novamente, Camões está utilizando o paradoxo para mostrar a complexidade do amor. Quem já amou sabe que o amor pode ser ao mesmo tempo uma fonte de alegria e de dor. É uma ferida que sentimos de forma profunda, mas, ao mesmo tempo, parece que não conseguimos explicar ou entender completamente.
Agora, olhem para a linha “é um contentamento descontente”. Como podemos estar contentes e, ao mesmo tempo, insatisfeitos? Essa é uma característica muito comum do amor: ele traz felicidade, mas também uma constante sensação de que sempre queremos mais, que nunca estamos totalmente satisfeitos. E por último, “é dor que desatina sem doer”. Como algo pode nos enlouquecer de dor, sem de fato doer fisicamente? Mais uma vez, Camões está nos mostrando que o amor é um sentimento que desafia a lógica.
Vamos continuar nos versos do soneto: “É querer estar preso por vontade, / É servir a quem vence o vencedor, / É ter com quem nos mata lealdade”. Aqui, ele fala sobre o desejo de se comprometer, de estar “preso” por vontade própria. Isso soa contraditório, não é? Mas pensem nas relações amorosas: quando amamos alguém, muitas vezes abrimos mão de algumas liberdades por escolha própria. Nos comprometemos com a pessoa, não por obrigação, mas porque queremos estar com ela.
Agora, imaginem uma pessoa se sentindo “presa” a outra, mas de forma positiva, como quem diz: “Eu escolho estar aqui”. Camões também fala sobre servir a quem já nos derrotou. Isso pode parecer uma perda, mas, em um relacionamento amoroso, é comum esse sentimento de entrega total, de servir ao outro, mesmo quando sabemos que, em certos aspectos, estamos nos rendendo. E ele ainda vai além, dizendo que mantemos lealdade à pessoa que, de certa forma, nos “mata” – seja pelas dores do amor, pela saudade, ou pelas dificuldades de uma relação.
Essa ambiguidade continua na última linha: “Tão contrário a si é o mesmo amor”. Ele está dizendo que o amor é algo cheio de contradições. Ele é ao mesmo tempo bom e ruim, doce e amargo, prazer e dor. E é exatamente isso que torna o amor tão fascinante.
Agora, quero que pensem no seguinte: como vocês interpretam esses paradoxos? O que Camões está tentando nos dizer sobre o amor? Não há respostas certas ou erradas aqui. Quando falamos de arte, de poesia, a interpretação é livre. O que importa é como o poema ressoa dentro de cada um de nós. Para alguns, o amor pode ser algo que traz mais felicidade; para outros, pode ser uma fonte de angústia. E ambas as visões estão corretas, porque o amor é um sentimento complexo e multifacetado.
Lembrem-se também que, apesar de falarmos muito sobre o amor romântico, esse soneto pode ser interpretado em diferentes contextos. Camões não está falando apenas do amor entre casais, mas também do amor fraternal, da amizade, do amor pela sabedoria, como vimos na aula anterior. Ele faz referência a vários tipos de amor, e isso nos permite refletir sobre as muitas formas que o amor pode tomar.
Agora, vamos fazer uma conexão interessante. Vocês conhecem a música “Monte Castelo”, da Legião Urbana? O Renato Russo, um poeta e músico que viveu em Brasília, utilizou versos de
Camões e da Bíblia para compor essa canção. Ele mescla o famoso capítulo 13 de 1 Coríntios – aquele que fala sobre o amor nos casamentos, “O amor é paciente, o amor é bondoso, o amor tudo crê, tudo espera, tudo suporta” – com os versos de Camões que acabamos de ler. Isso mostra como o amor é um tema universal e atemporal, que pode ser explorado de várias formas, seja na poesia do século XVI ou na música contemporânea.
Então, para fechar, vamos escutar essa música e refletir sobre como esses diferentes autores, Camões e Renato Russo, interpretam o amor. E lembrem-se: o que eu quero que vocês façam é ler e ouvir com atenção, e depois pensem sobre como vocês mesmos enxergam o amor. Que sentimentos essa poesia desperta em vocês? Como vocês definiriam o amor?
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